Após a Medida Provisória nº 871/2019, tem-se que os dependentes do recluso somente terão direito enquanto o mesmo permanecer em regime fechado.
No entanto, temos várias situação de prisões iniciadas anteriores a MP nº871/2019, mas que a progressão de regime do fechado para o semiaberto ocorreu posteriormente, o que está gerando indeferimentos ou cessações de benefícios de auxílio reclusão.
Na justiça, tem-se aplicado o princípio do "tempus regit actum" para estender o direito ao auxílio reclusão para os casos de progressões do regime fechado para semiaberto que ocorreram após a MP nº871/2019, pois consideraram a data da prisão inicial para determinar a aplicação da Lei.
Portanto, para prisões iniciadas em regime fechado anteriores a MP nº871/2019 mas que tiveram sua progressão para o regime semiaberto após tal data, também será garantido a manutenção do benefício.
Ademais, outro problema que está surgindo na prática previdenciária, está na aplicação do regime semiaberto harmonizado, em que o preso sairá com tornozeleira eletrônica com permissão para trabalhar e nestes casos, a justiça tem aplicado o entendimento que tal regime semiaberto com autorização para trabalhar seria equiparado ao regime aberto e, portanto, não teria direito a manutenção do benefício de auxílio reclusão.
Tal interpretação está sendo objeto de discussão, pois o fato de permitir o trabalho no regime semiaberto não significa que, de fato, o mesmo tenha conseguido trabalhar, pois o que importaria neste caso é se ele trabalhou ou não para determinar a suspensão ou cessação do auxílio reclusão, conforme interpretação do artigo 80 da Lei nº8.213/1991.
Neste sentido, a título de conhecimento para quem acompanha esta página, citarei o julgamento da TNU que poderá ser utilizada de paradigma nos recursos que tenha esta matéria:
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TURMA) Nº
5012330-77.2019.4.04.7000/PR
RELATOR: JUIZ FEDERAL FABIO DE SOUZA SILVA
REQUERENTE: JOAO LUCAS GENEROSO DE SOUZA
REQUERENTE: LUCIMAR GENEROSO
REQUERENTE: ADRIANA STORMOSKI LARA
REQUERIDO: JUÍZO SUBSTITUTO DA 6ª VF DE FOZ DO IGUAÇU -
REQUERIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
1. Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei interposto contra
acórdão prolatado pela 2ª Turma Recursal do Paraná que, por sua vez, denegou
Mandado de Segurança interposto contra decisão interlocutória proferida pelo
juízo substituto da 6ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, na fase de execução de
processo no qual se discute a fixação da data de cessação de auxílio reclusão.
2. Em suas razões recursais, aduz o recorrente que ao fixar a DCB
na data em que o instituidor foi colocado no regime semiaberto (06/07/2016 –
evento 9, fl. 3), e não na data em que o mesmo foi colocado no regime aberto
(28/07/2018 – evento 9, fl. 3), a Turma de Origem contrariou o entendimento do
Superior Tribunal de Justiça, que entende que a DCB deveria ser da data em que
passou para o regime aberto (REsp 1672295/RS e AgRg no REsp 1475363 / SP),
da 3ª Turma Recursal de São Paulo (0012361-53.2007.4.03.6315), o art. 116, §5°
do Decreto 3048/99 e o art. 382, §4° da IN 85/2016.
3. Os autos foram-me distribuídos por decisão do MM. Ministro
Presidente da Turma Nacional de Uniformização.
VOTO
4. Inicialmente vale trazer à colação o acórdão recorrido (8) que
provocou a interposição do presente recurso:
“Trata-se de mandado de segurança impetrado por JOÃO LUCAS GENEROSO
DE SOUZA, representado pela genitora Lucimar Generoso, em face de decisão
proferida pelo juízo substituto da 6ª Vara Federal de Foz do Igauçu que, nos
autos nº 5003354-80.2016.4.04.7002, fixou a DCB do auxílio-reclusão na data
em que o instituidor progrediu para o regime semiaberto harmonizado com
monitoramento eletrônico.
Não foi formulado pedido de liminar.
Devidamente citado (evento 10), o INSS contestou o feito defendendo o ato
atacado (evento 11).
O Ministério Público Federal manifestou-se pela desnecessidade de intervenção
do parquet (evento 14).
Vieram os autos conclusos para voto.
FUNDAMENTAÇÃO
O auxílio-reclusão está previsto no artigo 80 da Lei nº 8.213/91 e rege-se pela
lei vigente à época do recolhimento à prisão e depende do preenchimento dos
seguintes requisitos: (a) a ocorrência do evento prisão; (b) a demonstração da
qualidade de segurado do preso; (c) a condição de dependente de quem objetiva
o benefício; e (d) a baixa renda do segurado na época da prisão.
Assim dispõe o artigo 80 da Lei nº 8.213/91:
Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por
morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber
remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de
aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
Parágrafo único. O requerimento do auxílio-reclusão deverá ser instruído com
certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo obrigatória, para a manutenção
do benefício, a apresentação de declaração de permanência na condição de
presidiário.
Por sua vez, o artigo 116, § 5º, do Decreto nº 3.048/99 prevê que o auxílio-
reclusão é devido apenas durante o período em que o segurado estiver recolhido
à prisão sob regime fechado ou semiaberto.
No entanto, a circunstância de estar o apenado em regime semiaberto não
impede a concessão do benefício, pois o que importa, para autorizar a cessação
do auxílio-reclusão, não é o regime de cumprimento da pena a que está
submetido o segurado, mas sim a possibilidade de ele exercer atividade
remunerada fora do sistema prisional, o que não só se dá quando aquele é posto
em liberdade, mas também quando a execução da pena for realizada em regime
prisional aberto ou o segurado estiver em liberdade condicional.
O TRF da 4ª Região já se manifestou em caso similar:
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. AUXÍLIO-RECLUSÃO.
REGIME SEMIABERTO. ATIVIDADE REMUNERADA EM PREFEITURA,
SEM VÍNCULO DE EMPREGO.1. O benefício de auxílio-reclusão, conforme o
disposto no artigo 116, § 5º, do Decreto nº 3.048/99, é devido durante o período
em que o segurado estiver recolhido à prisão sob regime fechado ou semi-
aberto. 2. O exercício de atividade remunerada pelo preso em regime
semiaberto, em prefeitura local, sem vínculo de emprego, não afeta o
recebimento de auxílio-reclusão por seus dependentes. (TRF4, APELREEX
5003696-91.2012.404.7112, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO
SILVEIRA, juntado aos autos em 21/06/2013)
No mesmo sentido (AC nº 0010666-04.2011.404.9999/RS, Rel. Des. Federal
Celso Kipper, julgada em 21-08-2013, D.E. 30-08-2013; AC nº 0013879-
81.2012.404.9999/RS, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira,
julgada em 30-10-2012, D.E. em 09-11-2012; e AC nº 2008.70.990024272, Rel.
Des. Federal Fernando Quadros da Silva, Turma Suplementar, D.E. de 17-11-
2008).
Com efeito, o fato de o segurado ser colocado em regime semiaberto com
monitoramento por meio de tornozeleira eletrônica, já permite ao segurado o
exercício de atividade remunerada e, consequentemente, o sustento de seus
dependentes.
Diante disso, denego a segurança.
DISPOSITIVO
Considero prequestionados especificamente os dispositivos legais e
constitucionais invocados na inicial, contestação, razões e contrarrazões de
recurso, porquanto a fundamentação ora exarada não viola qualquer dos
dispositivos da legislação federal ou da Constituição da República levantados
em tais peças processuais. Desde já fica sinalizado que o manejo de embargos
para prequestionamento ficará sujeito à multa, nos termos da legislação de
regência da matéria.
Sem honorários.
Ante o exposto, voto por DENEGAR A SEGURANÇA.”
5. O auxílio-reclusão, benefício com fundamento de validade no art.
201, IV da Constituição Federal (CF), está regulado no art. 80 da Lei 8.213/91,
que à época do fato gerado tinha a seguinte redação:
art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por
morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber
remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de
aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
6. Vale ressaltar que a questão em julgamento neste recurso foi
objeto de ulterior modificação legislativa, por meio da Medida Provisória 871/19,
convertida na Lei 13.846/19, que passou a restringir o auxílio-reclusão às
hipóteses de prisão em regime fechado:
Art. 80. O auxílio-reclusão, cumprida a carência prevista no inciso IV
do caput do art. 25 desta Lei, será devido, nas condições da pensão por morte,
aos dependentes do segurado de baixa renda recolhido à prisão em regime
fechado que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de
auxílio-doença, de pensão por morte, de salário-maternidade, de aposentadoria
ou de abono de permanência em serviço
7. Entretanto, o caso em análise deve ser julgado com base na
legislação anteiror, em atenção ao princípio tempus regit actum.
8. No início da vigência da Lei 8.213/91 surgiram dúvidas sobre a
abrangência da hipótese de incidência do art. 80, especialmente, quanto ao
cabimento do benefício nos casos de prisão em regime semiaberto. A controvérsia,
porém, foi solucionada administrativamente, tendo os órgãos consultivos do
Ministério da Previdência se manifestado a favor da concessão nessa situação.
Atualmente, o tema é tratado pelo art. 382 da Instrução Normativa 77/2015, da
Presidência do INSS:
Art. 382. Considera-se pena privativa de liberdade, para fins de reconhecimento
do direito ao benefício de auxílio-reclusão, aquela cumprida em regime fechado
ou semi-aberto, sendo:
I - regime fechado aquele sujeito à execução da pena em estabelecimento de
segurança máxima ou média; e
II - regime semi-aberto aquele sujeito à execução da pena em colônia agrícola,
industrial ou estabelecimento similar.
§1º Não cabe a concessão de auxílio-reclusão aos dependentes do segurado que
esteja em livramento condicional ou que cumpra pena em regime aberto.
...
§4º O cumprimento de pena em prisão domiciliar não impede o recebimento do
benefício de auxílio-reclusão pelo(s) dependente (s), se o regime previsto for o
fechado ou semiaberto.
5º A monitoração eletrônica do instituidor do benefício de auxílio-reclusão não
interfere no direito do dependente ao recebimento do benefício, uma vez que tem
a função de fiscalizar o preso, desde que mantido o regime semiaberto ou a
prisão domiciliar, observado o previsto no § 4º
8. A vertente interpretativa adotada pelo INSS ganhou especial
reforço com o art. 2º da Lei 10.666/03, em vigor até a edição da MP 871/19, que
expressamente admitia a concessão de auxílio-reclusão na hipótese de prisão em
regime semiaberto. Na lei de 2003, o legislador enfrentou, ainda, a preocupação
manifestada no julgado recorrido quanto à possibilidade de exercício de atividade
remunerada durante a prisão:
Art. 2o O exercício de atividade remunerada do segurado recluso em
cumprimento de pena em regime fechado ou semi-aberto que contribuir na
condição de contribuinte individual ou facultativo não acarreta a perda do
direito ao recebimento do auxílio-reclusão para seus dependentes.
9. A leitura do art 2º da Lei 10.666/03 demonstra que o legislador foi
além. Mais que reconhecer que o regime semiaberto estava contemplado na
hipótese de proteção social, determinou que mesmo exercendo atividade como
contribuinte individual o auxílio-reclusão deveria ser mantido.
10. Conclui-se, desse modo, que a progressão de regime de prisão
para o semiaberto não é causa de cessação do benefício.
11. No caso em tela, o apenado progrediu para o regime semiaberto,
com tornozeleira eletrônica, em 06/07/2016 (evento 9, fl. 3) e, posteriormente,
para o regime aberto em 28/07/2018 (evento 9, fl. 3). Contudo, a data de cessação
do benefício foi fixada no momento da primeira progressão (06/07/2016).
12. Não havendo indicação no acórdão de que o segurado
efetivamente exerceu atividade remunerada em situação distinta da de um
contribuinte individual, deve o benefício ser mantido até a data da progressão para
o regime aberto (28/07/2018).
13. Ante o exposto, voto por CONHECER e DAR PROVIMENTO
ao Incidente de Uniformização, para reformar o acórdão e fixar a data da cessão
do auxílio-reclusão em 28/07/2018, fixando a seguinte tese jurídica: "até o início
da vigência da Medida Provisória nº 871/2019, a progressão para o regime de
prisão semiaberto não é causa de cessação do auxílio-reclusão".
FÁBIO SOUZA
Juiz Relator