segunda-feira, 13 de junho de 2016

CONCILIADOR NÃO PODE COLHER A PROVA NA SEARA DOS JUIZADOS ESPECIAIS SOB PENA DE NULIDADE


Recentemente foi realizada a sustentação oral nos autos 5003111-70.2015.404.7003/PR  na 2º Turma Recursal do Paraná em que defendi a nulidade da sentença, posto que a audiência de instrução foi realizada por conciliador e depois o magistrado julgou no sentido de que as testemunhas não transmitiram segurança, ou seja, ele não colheu pessoalmente a prova, mas julgou como se tivesse colhido, sendo certo que a conciliadora que lhe transmitiu a informação acerca do resultado da audiência não apresentava a experiência de um juiz. Ainda, tratava-se de caso de comprovação de atividade rural de trabalhador bóia-fria em que a prova testemunhal tem grande importância.
No julgamento do recurso, o magistrado  Vicente de Paula Ataide Junior pediu vista dos autos e, com muita razão, proferiu voto pela nulidade da sentença trazendo fundamentos que reforçam a imperiosidade da audiência de instrução ser presidida pelo magistrado ou, por juiz leigo sob a supervisão do magistrado, mas nunca por conciliador, diante dos fundamentos Constitucionais e especiais que apregoam a respeito.
Mais detalhes, segue o voto de vista para os colegas.

RECURSO CÍVEL Nº 5003111-70.2015.404.7003/PR
RELATOR
:
LEONARDO CASTANHO MENDES
RECORRENTE
:
MARIA DE LOURDES JAGELSKI
ADVOGADO
:
ANA PAULA DARIO VENDRAMETTO
:
PEDRO HENRIQUE WALDRICH NICASTRO
:
MARCIA CRISTINA DOS SANTOS
RECORRIDO
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS























VOTO-VISTA
























1. Trata-se de recurso interposto pela parte contra sentença que julgou improcedente seu pedido inicial de concessão de aposentadoria por idade rural.

Em sede recursal, insurge-se a parte autora alegando, preliminarmente, que houve violação do princípio da identidade física do juiz, uma vez que a audiência de instrução foi conduzida por conciliador. Quanto ao mérito, afirma que colacionou aos autos documentos referentes aos anos de 2003 a 2006 e que a prova testemunhal é suficiente para o período que pretende comprovar o labor rural. Requer que seja anulada a sentença para reabertura da instrução processual e realização de nova audiência presidida por magistrado. Sucessivamente, seja reformada a sentença.

O nobre relator apresentou voto no sentido de negar provimento ao recurso da autora.

Pedi vista para melhor análise dos autos.

2. Em análise minuciosa dos presentes autos, tenho que a sentença deve ser anulada.

A Constituição Federal autoriza que, no microssistema processual dos juizados especiais, a sentença seja proferida por juiz togado ou leigo, in verbis:

98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;
(grifei)

Por sua vez, a Lei nº 9.099/95, aplicável aos Juizados Especiais Federais, por força do art. 1º, da Lei nº 10.259/2001, instituiu, no âmbito dos juizados especiais, a figura do juiz leigo, bem como do conciliador, nos termos seguintes:

Art. 7º Os conciliadores e Juízes leigos são auxiliares da Justiça, recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em Direito, e os segundos, entre advogados com mais de cinco anos de experiência.

Como se vê, não se confundem o juiz leigo e o conciliador, a este basta o bacharelado em Direito, já para o primeiro, exige-se que seja advogado, portanto, habilitado perante a OAB, além de possuir experiência de mais de cinco anos na advocacia.

Aos conciliadores, confere a lei apenas poderes para conduzir, unicamente, a audiência de conciliação, exigindo, mesmo nesse caso, a supervisão do juiz togado ou leigo (art. 22). Ou seja, o conciliador não está autorizado por lei a colher prova, ainda que sob a supervisão do juiz - togado ou leigo.

Ao juiz leigo, do qual, como visto, exige-se maior qualificação, atribuiu a lei competência para dirigir a audiência de instrução, todavia, sempre sob a supervisão do juiz togado (art. 37). Portanto, apenas ao juiz leigo é dado colher a prova, e isso se dá, justamente, porque a ele é conferida a competência para proferir a sentença, sempre que tenha dirigido a instrução, ficando tal sentença sujeita a posterior homologação pelo juiz togado (art. 40).

Tais prescrições conferem efetividade aos princípios da oralidade e da concentração dos atos processuais em audiência, que orientam o processo nos juizados especiais, e donde decorre, necessariamente, a imediatidade entre o juiz e a prova oral produzida. Isto é, a prova oral deve ser, obrigatoriamente, colhida diretamente pelo juiz da causa, ou seja, pelo juiz que irá julgar o processo - togado ou leigo.

Ou seja, como ensina Alexandre Freitas Câmara (Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: Uma Abordagem Crítica. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007), no processo regido pela oralidade, exige-se que 'o juiz do fato seja o juiz que colheu a prova.'

Não é possível, por conseguinte, que a prova seja colhida por conciliador. Essa prática implica, prima facie, na nulidade do processo, a partir da audiência de instrução.

Deste modo, não cabe ao conciliador a fase instrutória, como já entendeu o STJ, em julgado de 2009:

RECURSO ESPECIAL - PROCESSUAL CIVIL - OMISSÕES NO ACÓRDAO - AUSÊNCIA - FALTA DE PREQUESTIONAMENTO - SÚMULA 211/STJ - AUDIÊNCIA PRÉVIA DE CONCILIAÇAO - OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E DA INSTRUMENTALIDADE - AUSÊNCIA DE PREJUÍZOS PARA AS PARTES - RECURSO NAO CONHECIDO. I - Tendo o Tribunal de origem fundamentado o posicionamento adotado com elementos suficientes à resolução da lide, não há que se falar em ofensa ao artigo 535, II, e omissão do Acórdão recorrido. II - Inviável a interposição de Recurso Especial relativo a matéria não debatida pelo Tribunal de origem, porquanto desatendido o requisito do prequestionamento, nos termos da Súmula 211 desta Corte. III - A atuação do conciliador restringe-se à tentativa de estabelecer solução amigável entre as partes, não ingressando em atos de instrução do processo, de competência exclusiva do magistrado. Outrossim, a Resolução n.º 407/2003 do TJMG se coaduna com os princípios da celeridade e da economia processual, propiciando maior efetividade ao processo, atendendo, ainda, à nova principiologia do Direito Processual Civil. IV - O princípio processual da instrumentalidade das formas, também identificado pelo brocardo pas de nullité sans grief , determina que a declaração de nulidade requer a efetiva comprovação de prejuízo. Precedentes. Recurso Especial improvido. (REsp 743765 MG 2005/0062146-6, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Terceira Turma, julgado em 01/12/2009).

Resta, entretanto, perquirir se a nulidade referida deve ser pronunciada em todos os casos ou se tal medida deve ficar reservada apenas aos casos onde fique demonstrado efetivo prejuízo à parte que a argui, nos termos prescritos no art. 13, §1º, da Lei nº 9.099/95, in verbis:

Art. 13. Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais forem realizados, atendidos os critérios indicados no art. 2º desta Lei.
§ 1º Não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo.

Nos termos do §1º, supratranscrito, nenhuma nulidade será pronunciada sem que tenha havido prejuízo. Penso que a tal expressão ganha, frente aos princípios norteadores dos juizados especiais, deve ser emprestada interpretação bastante ampla, ou seja, nenhuma nulidade escapa à prescrição referida, de modo que mesmo a colheita da prova pelo conciliador, que como dito acima, se dá ao arrepio da lei, somente ensejará a pronuncia de nulidade processual acaso reste demonstrado, concretamente, pela parte que a argui, que tal procedimento lhe causou efetivo prejuízo.

No caso em tela, percebo que, de fato, a audiência realizada em 01/10/2015 foi presidida pela conciliadora Maria Lucia Gimenes (evento 26 - ATA1). Ademais, em atenção às razões recursais, noto que o principal argumento trazido pelo juiz a quo para indeferir o benefício foi de que as informações prestadas em audiência pela parte autora e suas testemunhas arroladas foram vagas e não transmitiram segurança, sendo que o juiz sentenciante não presidiu a audiência.

Tendo em vista que a averiguação diz respeito às atividades de boia-fria, destaco que a prova testemunhal adquire um caráter ainda mais relevante, haja vista dificuldade em reunir início de prova material suficiente para comprovar referido labor.

Ainda, em matéria previdenciária, maior demanda no âmbito dos Juizados Especiais Federais, sobretudo em se tratando de segurados especiais, os pontos controvertidos invariavelmente dizem respeito a questões fáticas, o que exige uma verdadeira investigação sobre a vida dos segurados, acerca de suas atividades, manejo de suas produções, documentos apresentados, a divisão de trabalho entre familiares, entre tantas outras especificidades, que não podem ser perquiridas senão por uma verdadeira audiência de instrução, a ser obrigatoriamente conduzida pelo juiz da causa.

3. Nesses termos, voto no sentido de anular a sentença recorrida, determinando ao juízo de origem que proceda ao regular processamento e julgamento do feito, devendo conduzir audiência de instrução e julgamento, a fim de verificar o cumprimento da carência da atividade de boia-fria.

Sem honorários.

Considero prequestionados especificamente todos os dispositivos legais e constitucionais invocados na inicial, contestação, razões e contrarrazões de recurso, porquanto a fundamentação ora exarada não viola qualquer dos dispositivos da legislação federal ou a Constituição da República levantados em tais peças processuais. Desde já fica sinalizado que o manejo de embargos para prequestionamento ficarão sujeitos à multa, nos termos da legislação de regência da matéria.

Ante o exposto, voto por ANULAR A SENTENÇA.











Curitiba, 08 de junho de 2016.



































Vicente de Paula Ataide Junior
Juiz Federal Relator



Documento eletrônico assinado por Vicente de Paula Ataide Junior, Juiz Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.jfpr.jus.br/gedpro/verifica/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9134228v4 e, se solicitado, do código CRC 1666AAE1.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a):
Vicente de Paula Ataide Junior
Data e Hora:
23/05/2016 14:18